Papa Francisco discursa na Catedral de La Paz Foto: Reprodução / CTV |
Irmão Presidente,
Irmãos e irmãs,
Estou contente por este encontro convosco, autoridades
políticas e civis da Bolívia, membros do Corpo Diplomático e pessoas relevantes
do mundo da cultura e do voluntariado. Agradeço ao meu irmão Edmundo
Abastoflor, Arcebispo desta Igreja de La Paz, a sua amável recepção. Peço vénia
para poder cooperar, com algumas palavras de incentivo, na tarefa de cada um de
vós, a que já realizais. E agradeço-vos pela cooperação que vós, com o vosso
testemunho de recepção calorosa, me dais para que eu possa seguir adiante.
Muito obrigado.
Todos nós aqui presentes, cada um à sua maneira,
compartilhamos a vocação de trabalhar pelo bem comum. Há 50 anos, o Concílio
Vaticano II definiu o bem comum como «o conjunto das condições da vida social
que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e
facilmente a própria perfeição» (Gaudium et spes, 26). Obrigado a vós por
desejardes, cada qual a partir do próprio papel e missão, que as pessoas e a
sociedade se desenvolvam, alcancem a sua perfeição. Tenho a certeza de que, no
vosso afã pelo bem comum, buscais o belo, o verdadeiro e o bom. Que este
esforço sempre ajude a crescer no respeito pela pessoa humana, enquanto tal,
com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento
integral, a paz social, isto é, a estabilidade e a segurança duma certa ordem,
que não se realiza sem uma particular atenção à justiça distributiva (cf. LS
157). Que se distribua a riqueza, dito em modo simples.
No trajeto para a catedral, desde o aeroporto, pude admirar
os cumes do Hayna Potosí e do Illimani, daquele «morro jovem» e do outro que
indica «o lugar por onde sai o sol». Vi também como muitas casas e bairros, de
forma artesanal, se confundiam com as encostas, e fiquei maravilhado com
algumas obras da sua arquitetura. O ambiente natural e o ambiente social,
político e económico estão intimamente relacionados. Isto impõe-nos estabelecer
as bases duma ecologia integral – é um problema de saúde – uma ecologia
integral que incorpore claramente todas as dimensões humanas na solução das
graves questões socioambientais dos nossos dias; caso contrário, os glaciares
desses mesmos montes continuarão a reduzir-se e a lógica da recepção, a
consciência do mundo que queremos deixar aos que vierem depois de nós, a sua
orientação geral, o seu sentido, os seus valores derreter-se-ão também como
aqueles gelos (cf. LS 159-160). E é preciso conscientizar-se disto. Ecologia
integral - arrisco-me – supõe a ecologia da mãe terra, cuidar da mãe terra; a
ecologia humana supõe cuidarmo-nos mutuamente; e ecologia social, forçando a
palavra.
Dado que tudo está relacionado, precisamos uns dos outros.
Se a política se deixa dominar pela especulação financeira, ou a economia se
deixa reger apenas pelo paradigma tecnocrático e utilitarista da produção
máxima, não poderão sequer compreender – e muito menos resolver – os grandes
problemas que afetam a humanidade. Há necessidade também da cultura; dela faz
parte não só o desenvolvimento da capacidade intelectual do ser humano nas
ciências e da capacidade de gerar beleza nas artes, mas também as tradições
populares locais - isso também é cultura - com a sua sensibilidade particular
pelo meio onde surgiram e do qual saíram e do meio que lhes dá sentido.
Requer-se igualmente uma educação ética e moral, que cultive atitudes de
solidariedade e corresponsabilidade entre as pessoas. Devemos reconhecer o papel
específico das religiões no desenvolvimento da cultura e os benefícios que
possam trazer à sociedade. Nomeadamente os cristãos, como discípulos da Boa
Nova, somos portadores duma mensagem de salvação que tem em si mesma a
capacidade de enobrecer as pessoas, inspirar altos ideais capazes de incentivar
linhas de ação que vão além dos interesses individuais, possibilitando a
capacidade de renúncia a favor dos outros, a sobriedade e as outras virtudes
que ajudam a dominar-nos e que nos unem. Estas virtudes que na vossa cultura se
expressam de uma forma tão simples nestes três mandamentos: não mentir, não
roubar e não ser preguiçoso.
Mas devemos estar atentos, pois tão facilmente habituamo-nos
ao ambiente de desigualdade que nos rodeia, que ficamos insensíveis às
manifestações do mesmo. E assim, sem nos dar conta, confundimos o «bem comum»
com o «bem-estar», e com isso vai-se, pouco a pouco, escorregando, o ideal do
bem comum vai se perdendo e termina no bem-estar, sobretudo quando somos nós
que o desfrutamos e não os outros. O bem-estar, que faz referência apenas à
abundância material, tende a ser egoísta, tende a defender interesses parciais,
a não pensar nos outros e a deixar-se levar pela tentação do consumismo. Assim
entendido, o bem-estar, em vez de ajudar, incuba possíveis conflitos e
desintegração social; instalando-se como perspectiva dominante, gera o mal da
corrupção que faz desanimar imensamente e causa tanto dano. Pelo contrário, o
bem comum é algo mais do que a soma de interesses individuais; é passar do que
«é melhor para mim» àquilo que «é melhor para todos», e inclui tudo o que dá
coesão a um povo: metas comuns, valores compartilhados, ideais que ajudam a
levantar os olhos para além dos horizontes particulares.
Os distintos atores sociais têm a responsabilidade de
contribuir para a construção da unidade e o desenvolvimento da sociedade. A
liberdade é sempre o campo melhor para que os pensadores, as associações de
cidadãos, os meios de comunicação desempenhem a sua função, com paixão e
criatividade, ao serviço do bem comum. Também os cristãos, chamados a ser
fermento no povo, trazem a sua própria mensagem à sociedade. A luz do Evangelho
de Cristo não é propriedade da Igreja; esta é sua serva: a Igreja deve servir o
Evangelho de Cristo para que chegue até aos confins do mundo. A fé é uma luz
que não encandeia; as ideologias encandeiam, a fé não encandeia, a fé é uma luz
que não perturba, mas ilumina e orienta no respeito pela consciência e a
história de cada pessoa e de cada sociedade humana. Respeito. O cristianismo
teve um papel importante na formação da identidade do povo boliviano. A
liberdade religiosa – tal como é entendida habitualmente na ágora civil –
lembra também que a fé não se pode reduzir à esfera puramente subjetiva. Não é
uma subcultura. O nosso desafio há de ser incentivar e favorecer a germinação
da espiritualidade e do compromisso da fé, o compromisso cristão nas obras
sociais, em superar o bem comum através das obras sociais.
Entre os vários actores sociais, gostaria de salientar a
família, ameaçada em toda a parte, por tantos fatores, pela violência
doméstica, o alcoolismo, o machismo, a droga, a falta de trabalho, a
insegurança social, o abandono dos idosos, os meninos de rua e recebendo
pseudo-soluções a partir de perspectivas que não são saudáveis para a família
mas, ao contrário, provêem claramente de colonizações ideológicas. Os problemas
sociais, que a família resolve, e os resolve em silêncio, são tantos, que não
promover a família é deixar desamparados os mais desprotegidos.
Uma nação, que procura o bem comum, não pode fechar-se em si
mesma; as redes de relações abonam a sociedade. Assim no-lo demonstra o
problema da emigração nos nossos dias. Hoje é indispensável o desenvolvimento
da diplomacia com os países vizinhos, que evite os conflitos entre povos irmãos
e contribua para um diálogo franco e aberto dos problemas. E estou a pensar
agora sobre a questão do mar: o diálogo é indispensável. Construir pontes, em
vez de erguer muros. Todos os temas, por mais espinhosos que sejam, têm
soluções compartilháveis, têm soluções razoáveis, equitativas e duradouras. E,
em todo o caso, nunca devem ser motivo de agressividade, rancor ou inimizade,
que agravam mais a situação e tornam mais difícil a sua solução.
A Bolívia passa por um momento histórico: a política, o
mundo da cultura, as religiões fazem parte deste estupendo desafio da unidade.
Nesta terra, onde a exploração, a ganância e variados egoísmos e perspectivas
sectárias ensombraram a sua história, hoje pode ser o tempo da integração. E é
preciso caminhar por esta estrada. Hoje a Bolívia pode criar, é capaz de criar
com a sua riqueza novas sínteses culturais. Como são estupendos os países que,
superando a desconfiança doentia, integram os diferentes e que fazem desta
integração um novo fator de desenvolvimento! Como são belas as nações quando
estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do
outro (cf. EG 210)! A Bolívia, na sua busca de integração e unidade, é chamada
a ser uma «multiforme harmonia que atrai» (EG 117) e que atrai no caminho para
a consolidação da pátria grande.
Muito obrigado pela vossa atenção! Peço ao Senhor que a
Bolívia, «esta terra inocente e bonita», continue a progredir cada vez mais
para ser aquela «pátria feliz, onde o homem vive o bem da felicidade e da paz».
A Virgem Santa cuide de vós e o Senhor vos abençoe com abundância. E por favor,
peço-vos que por favor não vos esqueçais de rezar por mim. Muito obrigado.
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