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Trecho retirado do livro Escolhidos em Cristo para ser santos - Volume III - Moral Especial
“O fundamento do princípio da inviolabilidade da vida humana é a dignidade do homem. O conceito de dignidade exprime sinteticamente o valor do homem. Tal conceito é fruto de um longo processo de amadurecimento histórico da consciência humana e possui aspectos de índole antropológica, ética, política e religiosa. A encíclica Evangelium vitae fala de um «Evangelho da dignidade da pessoa», que constitui «um único e indivisível Evangelho» com o «Evangelho da vida» e com o «Evangelho do amor de Deus pelo homem»[1].
Do primeiro ponto de vista, o pensamento cristão se encontra com a evidência ético-filosófica de que o homem transcende o ser meramente indivíduo de uma espécie. O homem possui uma interioridade que lhe permite desenvolver uma vida e uma especial comunicação com o mundo, com os outros e com Deus, pela qual é um sujeito, um alguém em si mesmo em sentido pleno. Características da vida que preenchem a interioridade humana são a autoconsciência, a autodeterminação e o senhorio de si, o ser incomunicável no sentido de inalienável e de insubstituível[4].
Veja também:
- Papa afirma que trabalho concede dignidade à pessoa
- Em nota, Cardeal repudia descriminalização do aborto
Na perspectiva propriamente teológica, a dignidade dos seres humanos se apresenta acrescida do fato de serem criados à imagem e semelhança de Deus[5] e resulta ulteriormente potencializada pela redenção[6] e pela chamada a tornar-se partícipe da eterna vida divina como filho de Deus em Cristo[7]. A existência de cada homem responde a uma chamada divina. O ser de cada homem singular remete diretamente a Deus. E nesta remissão está a sua verdade mais profunda, da qual dimana em última análise a sua «altíssima dignidade»[8].
Parece-nos oportuno fazer menção à teologia da imagem. A imagem é um tipo de analogia, de «marca»[9], que o ato criador deixa em cada homem singular e em todos os homens. Para São Boaventura, dicitur imago quod alterum exprimit et imitatur[10]. A substância do conceito de imagem consiste nisto: ao criar o homem, Deus não só comunica o ser e a vida, mas também comunica e exprime algo de Si mesmo. Isto é, mediante uma intervenção particularmente direta[11], comunica e exprime algo que Ele é, se bem que esta comunicação seja imperfeita, já que somente nas processões intratrinitárias Deus se comunica e se exprime perfeitamente a Si próprio. Em suma, há no homem uma imagem expressiva de Deus e, consequentemente, muito mais do que um simples vestígio ou uma sombra distante. Se, ao criar o homem, Deus deixa nele algo Seu, este «algo» divino presente no homem é um bem sagrado, divino[12], no sentido de que é imagem de Deus.
Autor do livro: Ángel Rodríguez Luño
[1] Evangelium vitae, n. 2.
[2] Cf. Comissão Teológica Internacional, «Dignidade e direitos da pessoa humana» (1985), em Id., Documenti (1969-1985), Lib. Ed. Vaticana, Cidade do Vaticano, 1988, pp. 421-461. Veja-se ainda E. Schockenhoff, Etica della vita. Un compendio teologico, cit., pp. 172-186; J. Vial Correa, E. Sgreccia (eds.), Natura e dignità della persona umana a fondamento del diritto alla vita. Le sfide nel contesto culturale contemporaneo (Atos da VIII Assembleia Geral da Pontifícia Academia para a Vida, 25 a 27 de fevereiro de 2002), Lib. Ed. Vaticana, Cidade do Vaticano, 2003; J. M. Haas, «Dignità umana e bioetica», em G. Russo (ed.), Enciclopedia di bioetica e sessuologia, Elledici, Leumann (Turim), 2004, pp. 627-629.
[3] Cf. Gaudium et spes, nn. 12-17 e 22-32.
[4] Para um tratamento mais amplo, Cf. A. Rodríguez Luño, R. López Mondéjar, La fecondazione «in vitro». Aspetti medici e morali, Città Nuova, Roma, 1986, pp. 55-66.
[5] Cf. Gên 1, 26-27.
[6] Cf. Ef 1, 7; 1 Tim 2, 5-6.
[7] Cf. Rom 8, 14-17; Ef 1, 4-5.
[8] Evangelium vitae, n. 34.
[9] Evangelium vitae, n. 39.
[10] São Boaventura, In I Sententiarum, 31, 2, 1, 1, Concl. [ed. Quaracchi] vol. I, p. 540. Cf. também São Tomás de Aquino, S.Th., I, q. 35, ad 1 e q. 93.
[11] Cf. Evangelium vitae, n. 53; Atenágoras, Súplica pelos cristãos: PG VI, 970.
[12] Cf. Evangelum vitae, nn. 34-39.
[13] I. Kant, Fondazione della metafisica dei costumi, Rusconi, Milão, 1994, p. 157 (modificamos ligeiramente a tradução). Para uma análise do contexto da reflexão kantiana, cf. A. Rodríguez Luño, I. Kant: Fundamentación de la metafísica de las costumbres, Ed. Magisterio Español, Madri, 1977.
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